sábado, 21 de julho de 2018

Moendas e Fusos | Capítulo I ~ A Lancha e o Rio


A Lancha e o Rio



“No trecho de São Luís a Barra do Corda,
                                   nas retas e curvas do Mearim.”

           Galeno Edgar Brandes
      Barra do Corda
    na História do Maranhão

                              “Rio Mearim, se alcanças as marés,(...)
                               Sou a cascata pingente na serra,
                               Tu me ensinaste o quanto somos água.”
Elizeu Lima Nascimento
           Rio Mearim








  
O rio e o gemido lancha ansiedade enche o vale de dor e gozo, poder humano, lancha Andorinha.
Rio entre o verde das florestas e as histórias e o sertão a se chegar, vai a lancha subindo, subindo, a um porto destino, linha de São Luís para Barra do Corda.
Traz a lancha o sal, perfumes, tecidos, espelhos, livros...
A liberdade de ser sertanejo paga caro por subir do mar pelo rio ao sol das serras de que manam os veios correntes e unidos no Mearim.
Quantas cuias dágua! Da necessidade da ocupação da terra que, no início do Século XX, carecia tanto de sonhos e ousadias por subir-descer-unir oceano e sertão: Rio Mearim, possibilidade porser vilas, cidades, povoados como Angelim, Desordem e para além de Pedreiras, São Luís Gonzaga, Vitória, Arari e o grande orgasmo mar, ao mar-porto-capital.
Esperantinópolis estava ainda por ser. Bago de um futuro amor a organizar o olhar encontro homem-terra na aliança história-sementes de algodoais por se plantar.
Poder que um sonho atiça. Quer ver!
E atravessa o rio. Bem no povoado Angelim, risca as águas o remo, põe a canoa unida à terra da margem esquerda do Mearim, no ano de 1910, o caçador Cândido Mendes da Silva.
Caçar? Mas também ver. A curiosidade é o caminho das descobertas. E viu!
Águas límpidas, liberdade-saúde a distanciar-se das infestadas noites de malária e terras, terras para o plantio de algodão.
Enredou também a língua-lenda com que retornou da solidão da mata a contar-se.
E o que a lancha Andorinha, ao passar, levou a Barra do Corda, carta-história, do que vira o caçador, agora vivo na fantasia do achado de águas-lagoa, flores, sol, lugar para onde ir, para a noite e o dia e a vida e o amor em pés de algodão florar e ao mar enfim se ir na lancha, de rede e de histórias a descer, a lancha Andorinha não mais no rio, mas no céu mesmo como a voar.




Couro de Boi


Os caminhos do gado, vindos do Nordeste e atravessando o rio Parnaíba, em terras do Maranhão, deram povoações, cidades, Passagem Franca, Colinas,Tuntum... E, enfim, à margem do rio Mearim, no seu curso médio, povoados de Axixá, Angelim, São Joaquim, caminhos de antigos vaqueiros e seus descendentes não mais tangendo a vaca mas a ouvir-lhe o chocalho saudoso e a calçar-lhes os pés com o couro de suas alpercatas.
E com a vocação ousadia do retirante, a ver, amar, possuir.
O rio Mearim, no final do Século XIX, abria ao sertão maranhense entrada à economia da produção algodoeira alimentadora do sonho empolgação de se fazer de São Luís do Maranhão uma cidade industrial, ainda mais quando a abolição da escravatura tirou de suas elites agrárias o trabalho servil. E a fabricação de tecidos estava à frente dos empreendimentos.
Daí a necessidade de se abrir mais roças e roças de algodão, utilizar os rios como vias de transporte, implantar usinas de beneficiamento do algodão para que a produção da fibra resultante do descaroçamento diminuísse o peso das sementes que ficariam para novas plantações.
Então, a usina de Angelim, da empresa barracordense Manoel José Salomão, ponto de onde nasceu o sonho a ser minha cidade de Esperantinópolis.
E foi o Caçador Cândido Mendes da Silva que o trouxe consigo. Alpercatas a deixar rastos de dança roda lagoa onde um boi bebia. Ele viu! Um boi!
Cadê o laço? Só o bacamarte com carga de pólvora e chumbo e a coragem. Mas não era uma onça, era um boi, o couro bragado e fulgindo, se ofuscando de seus olhos no sol da manhã.
Fugiu para dentro da imensa mata. Deixou o rasto para os companheiros verem e historiarem, do que se deu, se povoou o Centro do Boi, bem onde hoje é o bairro Laranjal da Cidade de Esperantinópolis.
Este nome, Esperantinópolis, chamar-se-ia a mais de quarenta anos depois, com brilhos de estrela, de espelhos, de fitas, festa solidariedade por caminhos tantos, tantos terreiros até a ventura de uma feliz cidade.


Cestos


Tornou-se mestre por guardar o tesouro memória de nove décadas da história de Esperantinópolis, João Gomes da Silva.
Desde os sete anos de idade, em 1917, a ver e ajudar a tecer as fibras das ações pioneiras, com seu pai, Abel Gomes da Silva, e, mais, com a esposa tecelã Teresa Gomes. Por toda a vida. E a contar a quem o quisesse ouvir e por gostar de saber, tudo, em detalhes, do que aconteceu ano, após ano, a envolver pessoas, marcar lugares, ocasionar mudanças.
Sua casa e o tear de Dona Teresa foi ponto de referência e de visitação, onde se encontravam memórias artes, amizades tecidas em formas de cestos que o Seu João Gomes oferecia do seu artesanato com palhas da palmeira babaçu.
Com simplicidade lavradora fez sua vida uma casa de sua cidade. Cidade de quem tomou a mão e a acompanhou por um século e a registrar de memória em contas tantas os contos, os casos, as dores, as alegrias, as vitórias do seu povo a construir ruas, casas, bairros, aurbe que um poeta, que o ouvia, se empolgou e lhe perguntou que nome outro daria à sua cidade? E acertando ser “Terra de fulgente esperança”.
Bonito! Se leu Olavo Bilac...
Mas como, ao ajudar sua amada Teresa no jogo do tear, como a tecer sonhos de um algodão mais que alvo em luz, fios que se estendiam a formar as redes para o amor se gerar e a nascer e sorrir com os rostos que sucessivas gerações haveriam de vir, e a oferecer-se em escrita, leitura, foto, arte plástica, música, dança à coreografia dos dias e noites, vidas, ao cantar dos hinos de nossas prosas e poesias.








Fusos


Coube à mulher a graça de tomar os fusos e fiar o algodão das primeiras roças. Fusos da economia a tecer a rede do aconchego-amor—centro da vida no Centro do Boi.
Mulheres agricultoras, fiandeiras, tecelãs, cozinheiras a dar o sentido ponto ternura que sustentava a luta do desbravamento pioneiro.
Daí porque o mais notável e feliz a se registrar dos primeiros dez anos do povoamento que se constituiu cidade de Esperantinópolis, foi a festa liberdade da terra, do trabalho, da moradia-sonho-amor-dança-mutirão a construir casas, formar o povoado.
Terra-festa de todos, do trabalho de todos, que as mãos da mulher tomava para o seu jardim.
A mãe parteira Maruzinha e a Inez do Leocádio que me dava frutos de seu pé de tamarina, onde ela achou lugar que, me dizia, eu menino atencioso a ouvi-la, onde uma onça fazia medo a ela todas as noites, daí porque fazia uma fogueira que espantava o tudo de medos que a noite tem. E uma rosa, roseira de Maria Rosa que trouxe rezas para os alívios das dores, sem esquecer a mulher da vida e do amor que rezava, em tempos de jejuns, a devoção da Invenção da Santa Cruz.
A beleza então se viu na povoação com os registros primeiros da história que se escrevia, cartas a dar notícias e a fazer mais chamados a quem se dispunha a vir e ver o que de graça tinha a terra, o céu e as mulheres a fiar em mutirões.
As mulheres! Ninguém ficava do lado de fora. Era a vida educação das lições para se levantar a casa, abrir o poço, fazer a estrada, torrar a farinha de mandioca, tudo com a graça da solidariedade, da presença feminina a oferecer o almoço, descanso, convivência e as conversações que ajuntavam conhecimento, ternura, esperança resultando sempre num batuque, num requebro de beleza dança em roda. E os fusos faziam o resto do algodão-erosque tecia a rede, a canção, a história, de como se diz, de amor, história de amor.




Acontecimentos do Período

Agosto de 1910
- Sendo Governador do Estado do Maranhão Luiz Domingues e José Leonil da Cunha Nava, Administrador Municipal de Barra do Corda, o barracordense Cândido Mendes da Silva e seus companheiros Aristides Vieira, Manoel Cardoso, Pedro Lopes, José Pinto e Eloy Pinto iniciam a povoação que se denominou inicialmente de Centro do Boi, que deu origem à cidade de Esperantinópolis.

Julho de 1917
- Chega ao povoado Centro do Boi o lavrador Abel Gomes da Silva, primo de Cândido Mendes da Silva, que trouxe nomeação de Sub-Delegado, cargo que exerceu mais como conselheiro, que de Delegado.


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