terça-feira, 24 de julho de 2018

Moendas e Fusos | Capítulo IV ~ Tempo de Guerra


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Tempo de Guerra


“Era a vida a explodir por todas as fendas da cidade
sob
as sombras da guerra:
a gestapo a Wehrmacht a raf a feb a blitzkrieg
catalinas torpedeamentos a quinta-coluna os fascistas os nazistas os comunistas o repórter Esso a discussão na quitanda.”

Ferreira Gullar
Poema Sujo 












A Segunda Guerra Mundial, da Europa nos veio, até Boa Esperança, com a escassez de mercadorias. A soda cáustica, para a fabricação caseira do sabão, ferramentas de trabalho dos lavradores, pilhas de lanternas, o querosene... Ficaram mais escuras as noites, reinventaram-se as candeias de azeite.
E o medo! As histórias dos ataques dos alemães a navios brasileiros... Houve pressão popular nas grandes cidades e o Brasil se declara em guerra contra o eixo e manda a FEB, cobra fumando. O brasileiro, até na guerra, inventa-se de bom humor, para não apagar a nossa auri-verde esperança.
Pelos céus de Boa Esperança passaram aviões.
O que deu tantas histórias, umas verdadeiras, outras inventadas, mas conversadas nos caminhos às noites iluminadas à luz de morrões de cera de abelhas, indo-se às novenas na capela em preces pela paz.
A economia do povoado estacionou com o fechamento da filial da Cotoniere, de Verdun, porque os seus proprietários, por serem cidadãos franceses, tiveram que retornar à pátria por ocasião da guerra, em seus inícios. Vender algodão, arroz, outros gêneros, só em Pedreiras, indo-se com tropas de burros pelo caminho que, desde os anos de 1920, já havia, por emendar um povoado a outro da região.
As comunicações eram demoradas para chegar em Boa Esperança, um telegrama com dias de atraso, cartas vindas de Barra do Corda, exemplares de jornais, e os contos que se diziam do heroísmo dos pracinhas brasileiros, um deles, o barracordense Artur Teixeira de Carvalho, são e salvo e bravo, que voltou e tornou-se Deputado Estadual representante de Esperantinópolis com atuante participação na política e no desenvolvimento do Município nos anos das décadas de 1960 - 70.
Havia uma demora, disse-me Elias Almeida, de quem ouvi e guardei tantas das suas memórias desse período. Era como se o tempo não passasse.
Mas passou, veio a paz abrindo espaço novo à humanidade que se reorganizou pela democracia, que chegou tentativa de uma utopia por sermos da Boa Esperança.




Democracia


A democracia, então, caminho.
Boa Esperança mobiliza-se por seus homens que se organizam em caravana para Barra do Corda, a participar do pleito, primeira experiência depois do longo tempo da ditadura do Estado Novo, tempo a concluir-se com a guerra. A paz provocou anação para a democracia.
E que caravana! Mais de vinte cavaleiros. Pena que não havia uma amazona. Ainda que direito já tinham as mulheres de votar, desde 1932. Mas a distância das vinte léguas, caminhos difíceis, a demora de uma semana do ir e voltar... Uma mulher ausente dos filhos por tanto tempo e ainda mais que os homens, seus maridos, fariam por sua vez e a delas...
O certo é que ganhamos todos. Os lavradores, produtores do algodão, do arroz, com a reabertura da usina de Verdun, sob a propriedade da empresa ChamesAboud& Cia. Ltda., de São Luís – Maranhão, e a abertura da estrada para o caminhão a carregar as safras. Ganharam as crianças com uma escola bem melhor; ganharam os jovens com as muitas festas que lhes deram os adultos em comemorações tantas. Ganhamos todos.
Eu, criança, mas atento, ganhei por ouvir discursos. A democracia faz o tempo dos discursos. E as discussões entre quem é governo e quem é oposição. Oposição, palavra que meu pai, Severino Corrêa, me explicou e do porque que o Dr. La Rocque era das Oposições Coligadas, conforme um cartaz que o senhor Paulo daSínger afixou em sua porta.
Mas, Boa Esperança optou, com seus líderes, pelo lado da situação governo, todos do PSD – Partido Social Democrático, de que se fez líder local o meu Tio Marinheiro, o nosso Claudio Carneiro de Souza.
Eu gostava de ouvir os homensa falar de política, dos casos que contavam, das opiniões que davam. Como eu ficava feliz com a visita do Compadre de meu pai, o Senhor Manoel Monteiro da Silva. Ah! Eles dois conversavam e, muito, sobre políticos, questões, brigas, discursos, lutas, vitórias, derrotas... Me apaixonei, ainda menino, pela democracia.




Pedra Fundamental


Uma pedra como uma letra a começar uma escrita carta, ou decreto, ou poesia poema escola. Beleza de uma escola para a vila de Boa Esperança, que o Prefeito de Barra do Corda, Raimundo Ferreira Lima, popular Mundico Lima, trazia na palma da mão, uma pedra fundamental de construção do primeiro prédio público da vila, prédio escolar.
Da Vila de Boa Esperança, título que o Prefeito nos trouxe com dois presentes, o do prédio da Escola e do Cartório de Registro Civil de Casamentos e de Nascimentos. Nomeados foram, Isaac Varão como o Escrivão Oficial do Registro Civil e João Carneiro de Almeida, o Juiz de Paz.
Boa Esperança elevava-se.
Economia novamente em alta com grandes safras. Dezenas de engenhos a moer cana, a produzir cachaça; também o tabaco se plantava, se produzia o fumo artesanalmente, porém, com peso de boas aceitações de vendas; o arroz era de abundantes safras que os caminhões levavam para as usinas de beneficiamento de Pedreiras. Era bem movimentado o comércio de lojas como a loja de Cláudio Carneiro; a de Sebastião Rego, o conhecido Sebastião Flor, a de Narciso Leite, dentre os vários pequenos e médios comerciantes estabelecidos.
Porém, a comunicação com Barra do Corda diminuía de intensidade, visto que nossa economia transitava com mais facilidade com Pedreiras, por terra e por água. Líderes de Boa Esperança iniciavam idas a São Luís, capital do Estado, o que a posição de Pedreiras favorecia. Nossa vida política então começou a se contatar mais com a Capital do que com a Cidade-Mãe.
Nascia o desejo da emancipação ou, de ao menos, passar-se Boa Esperança a ser da jurisdição do Município de Pedreiras, dez léguas mais perto que Barra do Corda, caminho para São Luís, onde os nossos comerciantes se iam a renovar estoques e os políticos a conversar com as lideranças estaduais.
São Luís, então deixou-se ver mesmo mais que Barra do Corda e o seu fascínio nos encantou, nos deu tantos sonhos.




Desfile Escolar


Num dia Sete de Setembro, Boa Esperança se enfeitou de verde-amarelo em desfile estudantil no caminho da Escola, onde atualmente, é o início do bairro do Castelo Branco, até o largo da capela, atualmente a Praça Santa Teresinha. Caminhada em fila das crianças com bandeirinhas de papel, como que recém-nascidas da bandeira grande-mãe que as meninas maiores, mocinhas, mais bonitas, levavam à frente, abrindo o desfile.
E Eu, com poucos anos de idade, mas com o texto da Canção do Exílio bem decorado e a recitá-lo sob aplausos, na calçada da casa do Senhor Joaquim Araújo Arruda, o então Sub-Delegado.
Era uma escola que tinha muito ainda da ideologia pedagógica do Estado Novo. Método de ensino com rígida disciplina a educar comportamentos, a transmitir lições de patriotismo, o que em muito me deu o incentivo à leitura de textos dos clássicos da nossa literatura nacional, Gonçalves Dias, Castro Alves, Casemiro de Abreu, Olavo Bilac, Monteiro Lobato, dentre muitos dos que nos eram dados como lições de leituras e para inspirar escritas e expressões orais.
A Minha primeira professora, Inez Iacira, a Dona Irá, no meu tempo de menino não se chamava professora de “tia”, era o respeitoso “Dona”, guardei dela a beleza, a bondade e o gênio que me ensinou a ler aos sete anos de idade, lendo um livro de História Pátria, o texto que mais me impressionou, o do descobrimento do Brasil, a liturgia do descobrimento carta de Pero Vaz de Caminha.
Com Leonildes de Souza fiz, todo o meu curso primário e concluindo-o, já aos onze anos de idade, por uns quatro meses de aula, com sua substituta, minha prima Galdina Carneiro Ribeiro.
Escola, que trouxe o nome do tempo do Estado Novo, Escola Sete de Setembro, e que, no período do regime militar, recebeu o nome de Escola Municipal Castelo Branco. Ganhou prédio próprio em 1970, sala única, sem banheiro, sem secretaria, classe multisseriada, não avançou, o sistema político que não interessa em que as massas populares se eduquem para que se continuem massas de uma alienação política, segurou-a e há se segura-la para que não avance. Como todas as escolas públicas viraram-se num encanto de se tornarem pedras, onde o verde e o amarelo da bandeira nacional não diz nada, não as benze de alegria, de motivação, de vontade de vencer o analfabetismo que ainda continua a parar a marcha-evolução de uma educação libertadora.





O Caminhão


Pedreiras, ao Norte, 72 km distante de Boa Esperança, tornara-se centro comercial da região do Médio Mearim, portão de entrada dos imigrantes nordestinos, desbravadores das matas, fundadores de cidades. Para Pedreiras convergiam muitos caminhos de tropas de intercâmbios da economia, da cultura, da política.
O nosso caminho de Boa Esperança se fez rodagem carroçável por onde nos veio o primeiro caminhão, de propriedade do empresário José Carvalho, de Pedreiras. Por ser de Pedreiras, tinha nome o caminhão, de São Benedito. Lembro-me desse momento. Era noite, o que mais impressionou foram os faróis e o cheiro de gasolina.
Que assim inaugurava a estrada riscada com o rastro das rodas a carregar os festeiros a comemorar o final épico da abertura da estrada que empregou muitos trabalhadores, deu questões por várias causas, pontos por onde passar, serras a transpor, mas enfim... Quanta gente que nunca tinha visto um caminhão!
A estrada passava por Boa Esperança, indo até o Verdun. Quem a construiu foi uma autarquia vinculada ao Governo do Estado denominada Campanha de Produção, que desenvolvia ações de aberturas de estradas, perfurações de poços artesianos, outras ações de fomento da produção do Estado e por se constituir essa autarquia de um consórcio de empresas maranhenses que atuavam em áreas de interior, como a de Chames Aboud& Cia. Ltda. com sua filial de Verdun.
Por essa época, após 1948, além do algodão, também estava se iniciando a atividade econômica do extrativismo do babaçu de interesse de indústrias maranhenses da produção do óleo e para a fabricação de detergentes numa escala industrial promissora.
O caminhão marcou, porém, a história de nossa região, não só por nos trazer mais nordestinos que os faziam paus-de-arara, mas por nos trazer o açúcar, a cachaça, a rapadura, de melhores qualidades que as de nossos engenhos. Levavam, também, o nosso arroz e, assim, a nossa economia passou por mudanças nas décadas seguintes, de significação importante e a marcar a vida do município que em breve iríamos de nos tornar.




A Olaria


A vila Boa Esperança carecia de uma aparência urbana, das casas de seus habitantes melhorarem em aspectos de construção, o mínimo serem cobertas de telhas.
Não havia olaria com produção de telhas. Apesar do barro próprio do local da lagoa que Cândido Mendes da Silva achou, onde ele viu o lendário boi, e onde viu a povoação a surgir daquelas águas, daquela argila, como um criador vê futuras realidades. Mas faltava o oleiro.
Até que, dentre os migrantes nordestinos que chegavam atraídos pelo nome Boa Esperança, do Mearim, um homem, com sua família, fez casa bem próxima da lagoa do barro bom de louça, onde se doou ao serviço de nosso primeiro mestre de olaria, Damásio Martins Sampaio.
Fez as telhas que tanto necessitávamos. Para cobrir os sonos, sonhos, berços da vila que se projetava num processo econômico, político, cultural que os atores do tempo, desapercebidamente, não viam, não se davam conta das possibilidades que se germinavam no contexto da região e mesmo da história do Maranhão.
Apesar das resistências, das descrenças, mas havia um fogo aceso e a crescer, e a aparecer no tempo oportuno. O que outros viram e se apossaram da tocha. O bem é que o fogo ninguém o segura, incandesce, não se esconde, faz as energias, queima as mãos dos egoístas incautos... Ainda bem que a humana inteligência aprendeu a dominá-lo, criou as tecnologias, das mais simples, como a lamparina, às mais complexas como as modernas armas de fogo, os modernos fogões e as combustões motrizes que fazem as velocidades que cruzam as terras, os mares, os ares... O fogo amor serviço que iluminou o dia e a noite e ficou com a cidade que se chamou Esperantinópolis, que significava Cidade da Esperança, a se fazer ruas de telhados, que, no tempo, ocupou a terra e está subindo aos ares em sobrados como os do centro comercial, especialmente, da Rua Getúlio Vargas.



  

Acontecimentos

02 de dezembro de 1945

- Caravana com mais de 20 cavaleiros está em Barra do Corda e representa Boa Esperança na eleição da redemocratização após Estado Novo.

26 de julho de 1946
- Registro do primeiro casamento civil realizado no cartório de Registro Civil do Distrito-Termo da Comarca de Barra do Corda da Vila de Boa Esperança.

24 de agosto de 1948
- Inauguração da estrada carroçável iniciada em 1945, ligando Pedreiras a Boa Esperança e indo até Verdun.

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